desconcertou minha linha torta para o alinhamento, incomodou minha vela enchendo de vento e a porta aberta resolveu deixar
e daí?
abasteci minha moto e peguei a estrada. pequei na demora,
devia ter feito isso há muito tempo, mas quem, além de mim, se importa? agora
eu posso ser um cowboy do espaço, um alienígena no deserto, comer porcarias sem
me preocupar com meu colesterol e ultrapassar o limite permitido de velocidade
agora eu posso ser abduzido no meio da noite. tomado pela
sensação de calmaria e liberdade. posso também morrer debaixo de um caminhão de
frango
mas quem, além de mim, se importa?
agora eu posso estar no lugar certo e na hora certa para
fazer a coisa errada. posso pegar qualquer estrada e parar em qualquer cidade.
posso deitar em qualquer cama e cuspir em qualquer calçada. agora eu fumo meu
cigarro em qualquer lugar enquanto procuro um café que não seja tão fraco. eu
sinto falta de encontrar café forte, mas quem, além de mim, se importa?
tudo acaba
agora a Terra é o meu corpo e a minha cabeça está nas
estrelas
estou tirando férias eternas
eu já tinha lido sobre a mulher de Ló, sobrinho de Abraão,
personagem bíblico. ela foi salva da destruição de Sodoma e Gomorra e olhou
para trás, transformando-se numa estátua de sal. ela se arrependeu, eu ainda
não. não olhei para trás. agora eu sou minha própria Sodoma, minha própria
Gomorra
quando eu coloquei meu capacete ela estava dançando, eu
estava sonhando. então eu desapareci
eu tentei ser bom, mas agora eu me sinto muito melhor. às
vezes a vida é uma droga, então eu desafivelei meu cinto de segurança. eu
deixei ir. agora eu posso ser o pior que eu conseguir ser. não tenho obrigação
de me divertir nem de fazer ninguém rir. agora eu posso deitar no escuro com
meus olhos bem apertos, posso olhar as estrelas e me elevar
por mais eternas que sejam essas férias, são só as férias de
inverno. coisas boas não duram tanto
foi fácil fazer isso. foi só abastecer a moto e comprar
cigarros, coisa que eu faço todos os dias
agora eu posso ser um eterno estranho, não preciso
pertencer. eu queria que alguém tivesse me dito que isso não ia doer
eu poderia falar que fiz essa viagem procurando a verdade. poderia culpar a minha infância, a época que eu assistia a Arquivo X e ouvia no
início de todo episódio que “a verdade está lá fora”
eu não contei pra ninguém. eu consigo imaginar o que as
pessoas falariam
“não faça isso.”
“você tem muito pela frente.”
“como pode?”
“você é tão jovem.”
sim, sou muito jovem. tenho a morte inteira pela frente. ou
a vida. mas quem, além de mim, se importa?
Agora quando eu morrer
ninguém precisa chorar. eu não dei tchau, mas eu não sou surdo. eu estava
apenas ignorando todo mundo. agora, no meu mundo, pode chover todo dia. e se eu
dormir, não me acorde. Se eu morrer, não me ressuscite. eu não preciso disso
posso ser uma partícula
de consciência do cosmos e posso ser nada
isso não significa nada. é só uma viagem
agora eu posso tirar férias para sempre e eu me importo